Ecos do Amanhã Sérgio Sá

Sérgio Sá
Desde que esse ruído começou, nunca mais houve silêncio.
Um ruído terrível e incessante tomou conta de todo o planeta, invadindo cada átomo, cada célula.Os dias se passam, sem que se descubra a causa e tampouco a solução. Torna-se impossível seguir vivendo normalmente.
O mundo vira um caos. Políticos, organizações, grupos religiosos tentam vários caminhos para explicar e interromper o ruído, enquanto um grupo de oito dos mais brilhantes cientistas mundiais se reúne em um laboratório secreto em busca de respostas. Para aumentar a confusão, um visionário, apoiado em seus bilhões e em sua inteligência, quer impor a todos um Deus virtual, integrando os princípios das mais difundidas religiões do mundo.
Não existem mais crises isoladas, as soluções agora precisam ser planetárias, calcadas na Harmonia e na Sabedoria.
Entrelaçando essas duas histórias, Sérgio Sá constrói uma fascinante alegoria que nos convida a refletir sobre as enfermidades sociais causadas por nosso egoísmo.Os oito cientistas encarnam personalidades com as quais lidamos todos os dias, até facetas de nós mesmos. O visionário pode bem ser a réplica do Grande Irmão que invade nossas mentes sem pedir licença.
A Violência, a Vaidade, a Angústia têm seu papel garantido nessa ficção sobre o mundo em que vivemos. Afinal de contas qualquer semelhança entre esses ecos perturbadores e os sons que já escutamos não é mera coincidência!

Ecos do amanhã é o terceiro livro de Sérgio Sá (Fortaleza, Ceará, 1953) e marca sua estréia na ficção. Esse músico que completa 36 anos de carreira, autor de mais de 300 canções já gravadas, letrista inspirado, passa agora ao terreno da literatura, ampliando seu leque de ofícios e de expansão de sua imensa criatividade. Polivalente, sempre foi de muita briga: cego de nascença, desde que veio de Fortaleza aos 13 anos continuar seus estudos em São Paulo, Sérgio procurou desenvolver seu talento para a música — tem ouvido absoluto –, incorporando–se a bandas de garagem, tocando, cantando e logo mais arranjando, produzindo e gravando. Aos 20 anos, com o pseudônimo de Paul Bryan tinha quatro músicas entre as dez mais executadas e vendidas no país; logo mais, teria suas composições gravadas por Roberto Carlos, Fábio Jr., Simone, Fafá de Belém, Jane Duboc, Chitãozinho e Xororó, entre tantos outros. Em 1985, embarcou para os Estados Unidos, onde permaneceu por mais de três anos apresentando shows e gravando com músicos latinos e americanos. Destaca-se a coleção de vinhetas que criou para a FM de Stevie Wander. Nos anos 90, de volta ao Brasil, criou a trilha sonora da série Mundo da Lua (TV Cultura) e participou como arranjador do CD Quanta de Gilberto Gil. Em sua produtora, Fábrica de Sons, é responsável pela nova cara sonora da Voz do Brasil e por jingles vencedores na publicidade. Gravou Voa vida (1982) e Fora de prumo (1984). Juntamente com este livro, ele lança o CD Ecos do amanhã (Café Brasil). Publicou Fábrica de Sons (Editora Globo, 1994) e Feche os olhos para ver melhor (Sá Editora, 2003, edição em tinta e 2004, edição em Braille).



Para um cego, o som é a imagem, o reflexo de toda a atividade humana. Segundo Sérgio Sá, que é portador de catarata congênita, “soamos nos sonhos, nas catástrofes, na alegria, no lamento, até no silêncio”.
A falta da visão fez com que Sá se conectasse ao mundo por uma teia sonora e invisível, com sua sensibilidade sendo alimentada por ecos e vibrações que não cessam nunca de chegar para alguém sempre de olhos fechados — sem acesso ao mundo fugaz e por vezes enganoso das imagens.
É dessa matéria prima que se alimenta este Ecos do amanhã, em que o autor transformou em palavras, que, por acaso também são silenciosas fontes de ruídos, suas inquietações e reflexões.
É para se ler em silêncio esse brado de alerta e de profundo amor à Humanidade, transformado também em um texto de ficção inventivo e saboroso (sim, Sérgio sabe como despertar vários outros sentidos!).
É para se prestar atenção quando ele nos fala desse ruído insidioso que invade o planeta: ele parece tocar na fonte mesmo de nossa angústia e de nossa salvação.
Eliana Sá

Leia um Trecho

CAPÍTULO 01
Talvez tenham sido os aborígines de alguma longínqua aldeia os primeiros a perceber o som, descendentes de pigmeus ou de certa equipe de cientistas atuando na Antártida. O fato é que, em uns dez dias, todo o planeta já havia de alguma maneira se dado conta daquele contínuo e metálico ruído.
Era como dezenas de bolinhas de gude rolando ao mesmo tempo em chapas onduladas de zinco de diversos tamanhos formando uma vibração instável e ininterrupta. O som ficava mais forte ou enfraquecia aleatoriamente, mas, desde que percebido, não parava mais.
Confundia-se com as máquinas, misturava-se ao mar e às chuvas, rios, cachoeiras. Não importava qual fosse a fonte sonora, lá estava ele, perceptível aos tímpanos, somado aos outros ruídos.
Por algum tempo ninguém lhe deu muita importância; sim, era estranho ouvi-lo mesmo em cabines à prova de som ou lugares totalmente isolados. Quem sabe por não termos mais tanto controle sobre o que escutamos ou por estarmos acostumados a incorporar novos ruídos ao nosso dia-a-dia, somente depois de não haver meios de abafá-lo ou diminuí-lo é que se começou a falar mais do assunto. Aos poucos, todos nós ficamos sabendo que cada um de nós, estivesse onde estivesse, podia ouvir aquele som.
A coisa foi ficando mais e mais intrigante à medida que fomos descobrindo outras peculiaridades: o tal ruído tinha o mesmo comportamento para toda a Terra, ou seja, sua instabilidade soava por igual no mundo todo. Os meios conhecidos de comunicação não registravam nenhuma interferência, nem era possível rastrear a fonte do barulho. Ele parecia habitar tudo que fosse material, não se podia evitá-lo sequer tapando os ouvidos, não importando com o que. É que nosso corpo, qualquer coisa viva ou inanimada, vibrava inteiramente sintonizada àquele som.
Autoridades científicas de todo o planeta reuniram-se cerca de um mês depois para avaliar a situação e tentar encontrar explicação para o fenômeno em busca de algum modo de eliminá-lo. O que se descobriu não foi nada animador: cada molécula, cada célula existente no planeta, funcionava como um defletor sonoro, vibrando em sincronia com o tal som.
Nem na mais bem abastecida biblioteca haveria palavras suficientes para descrever o caos originado pelo fenômeno. Para que se tenha uma vaga idéia, o stress coletivo ocupou todo o espaço possível; as guerras regionais, conflitos étnicos, divergências políticas, todo o infantil alarido humano que só alguns bilhões de egos exacerbados são capazes de produzir, deu lugar gradativamente ao desesperado grito de socorro!…
Ao fim da quinta semana, milhares de pessoas se acotovelavam às portas dos consultórios de otorrinolaringologistas, implorando que lhe fossem arrancados os tímpanos. Psiquiatras e psicólogos viam suas salas lotadas de pacientes desolados, tomados por incontrolável angústia, queixando-se de insônia, crises de raiva, depressão e um terror crescente, total incapacidade de concentração.
A entrada do verão e do inverno nos dois hemisférios marcou o início do terceiro mês de agonia. Já não se sabia mais se o ruído era o mesmo, se havia se intensificado ou mudado de timbre, alguns até juravam que ele nem existia mais.
Facções religiosas radicais, em seu óbvio caminho de imaginar Deus como carrasco universal, afirmavam tratar-se de inexorável punição; teorias das mais elaboradas às mais estapafúrdias se esbarravam em constatações e negativas bombásticas.
Então chegamos à outra descoberta incrível: parecia que o estranho som, aquele barulho tão terrivelmente perturbador, não afetava tanto aos animais ou ao reino vegetal assim. Ouvidos sensíveis como os dos cães, por exemplo, não demonstravam tanta atenção ao ruído, a não ser quando eram chamados por seus donos e tinham certa dificuldade em escutá-los.
Também o crescimento das plantas não mostrava sinais de qualquer interferência. Na verdade, das algas marinhas aos enormes troncos silvestres, dos menores arbustos às trepadeiras, não se constatava nenhuma anormalidade.
Tudo isto agora nos fazia crer que a fonte do som buscava algum jeito para se comunicar com mentes racionais, seres que pudessem compreender o significado de alguma mensagem ainda que enviada em linguagem desconhecida. O problema era quando se tentava registrar em gravação o estranho ruído: ao reproduzi-lo, ele se misturava de tal forma com a emissão original que não conseguimos avaliá-lo, embora houvesse uma diferença de tempo entre as oscilações gravadas e as originais.
Mais tarde, pôde-se perceber, comparando-se gravações feitas no início com o presente estado do ruído, que houve uma sensível alteração no timbre – ele, agora, se tornava mais denso e subia lentamente de freqüência, passando do grave ao agudo numa variação mínima, cerca de dez HERTZ por semana. Ao mesmo tempo, o corpo sonoro ganhava novos harmônicos, oscilações variadas às quais iam aos poucos se separando, abrindo o leque, por assim dizer.
Num esforço concentrado, os governos das principais nações da terra reuniram suas mentes mais brilhantes formando um grupo de oito integrantes e enviando-os a um laboratório escolhido de comum acordo.
Sua missão era óbvia: localizar, definir e destruir a fonte desta aterradora música, calar de uma vez a boca de tão demoníaca voz.
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