A foto de Kevin Carter que chocou o mundo - Prémio Pulitzer 1994

Fotografar é uma Arte! com: Kevin Carter 
Enviado por Francine de Mattos 

 “Um homem ajustando suas lentes para tirar o melhor enquadramento do sofrimento dela talvez também seja um predador, outro urubu na cena”, comentou sobre a própria obra o fotógrafo sul-africano Kevin Carter (1960-1994). A polêmica foto acima foi tirada em março de 1993, numa viagem ao sudeste do Sudão. Carter chegou com a intenção de documentar os movimentos rebeldes do país, mas o horror da fome e da miséria acabou conduzindo seu trabalho.

 Numa dessas expedições, Carter encontrou a criança da foto rastejando faminta até um campo de alimentação da ONU, a aproximadamente um quilômetros do local. O fotógrafo observou a garota, e percebeu um urubu a espreita. Carter diz ter aguardado até vinte minutos, esperando que o pássaro se retirasse. Como o urubu não saiu, ele procurou o melhor enquadramento, tirou a foto e açoitou o predador. Depois, partiu dali abandonando a criança da maneira que a encontrou.

Kevin Carter

A foto foi publicada pela primeira no The New York Times, em 26 de março de 1993. Imediatamente, a reação popular se manifestou. 

Cartas e telefonemas inundaram a redação do jornal americano, questionando o paradeiro da criança (até hoje desconhecido) e o comportamento do fotógrafo após conseguir a imagem. A situação era, no mínimo, paradoxal.

Se para grande parte do público o fotojornalista foi desumano, sádico e frio, por não intervir no sofrimento da criança, para a crítica especializada Kevin Carter merecia todos os cumprimentos pelo profissionalismo e objetividade. 


Ganhou o Prêmio Pulitzer por Fotografia, em 23 de maio de 1994, o mais importante prêmio jornalístico do mundo, ao mesmo tempo em que sofria pressão popular e pessoal pela sua foto mais famosa. “Essa foi a minha foto de maior sucesso, depois de dez anos como fotógrafo, mas não quero pendurá-la na parede. Eu a odeio” declarou em entrevista a revista American Photo.

Numa dessas expedições, Carter
encontrou a criança da foto rastejando faminta
 até um campo de alimentação da
 ONU, a aproximadamente um quilômetros do local.
 O fotógrafo observou a garota,
e percebeu um urubu a espreita.
Carter diz ter aguardado até vinte minutos,
esperando que o pássaro se retirasse.
Como o urubu não saiu, ele procurou o melhor
enquadramento, tirou a foto e açoitou o predador.
Depois, partiu dali abandonando a criança
da maneira que a encontrou.
Herói engajado ou urubu predador?
Kevin Carter começou a carreira em 1983, fotografando eventos esportivos para o jornal Sunday Express, de Johannesburgo, maior cidade da África do Sul. Logo trocaria de jornal, e passaria a cobrir atrocidades políticas para o diário Star. Com os fotógrafos Greg Marinovich, Ken Oosterbroeck e João Silva, reportou em imagens espetaculares a crueldade do apartheid, nos anos entre a libertação de Nelson Mandela (1990) e sua eleição como primeiro presidente negro do país (1994).

O quarteto recebeu o apelido de Clube do Bangue Bangue, pela coragem em expor a própria vida em busca de retratos do terror ao redor. O risco era alto. Oosterbroeck foi morto ao ser atingido por uma bala à queima-roupa, disparada por engano pelas forças de manutenção de paz, no subúrbio de Tokhoza. Marinovich precisou se submeter a sete cirurgias após ser baleado no peito, mas sobreviveu.

Em comum, os quatro - com exceção de João Silva, de Moçambique – cresceram em ambiente branco-burguês numa desigual África do Sul, e se mostravam desiludidos com o país, com a sociedade racista e com a existência em si. Marinovich declarou que vivia de registrar a vida dos outros para tentar esquecer-se da sua própria. Talvez por isso a tamanha coragem e frieza.

Mas nenhum dos outros membros do Clube Bangue Bangue imaginaria um fim tão trágico para Kevin Carter. Após a foto que o tornara conhecido mundialmente, o fotógrafo começara a abusar exageradamente das drogas, e vivia reclamando da falta de dinheiro, da depressão e da enorme culpa. Em 27 de julho de 1994 levou seu carro até um local da sua infância e suicidou-se utilizando uma mangueira para levar a fumaça do escape para dentro de seu carro. Ele morreu envenenado por monóxido de carbono aos 33 anos de idade. Partes da nota de suicídio de Carter dizia:

Estou deprimido… Sem telefone… Sem dinheiro para o aluguel.. Sem dinheiro para ajudar as crianças… Sem dinheiro para as dívidas… Dinheiro!!!... Sou perseguido pela viva lembrança de assassinatos, cadáveres, raiva e dor... Pelas crianças feridas ou famintas... Pelos homens malucos com o dedo no gatilho, muitas vezes policiais, carrascos... Se eu tiver sorte, vou me juntar ao Ken...

Seus colegas receberam a notícia do suicídio com irritação, e passaram a defender Carter ao público, ressaltando seu profissionalismo e tentando explicar mais uma vez a ocasião da foto. Segundo eles, os fotógrafos recebiam a recomendação para não tocar pessoas na África, sob o risco de contágio. Marinovich, depois de algum tempo, disse que também vivia atormentado com as imagens perturbadoras que ele próprio captara. A idéia de suicídio rondava sua mente freqüentemente, e que certa vez quase se atirou nas águas do Rio Danúbio.
O fato tomou grandes proporções, sempre dividindo opiniões. Em 1996, a banda do País de Gales, Manic Street Preachers, conhecida por seu comportamento radical e declaradamente socialista, ironizou a atitude do fotojornalista com a canção “Kevin Carter”, do álbum Everything Must Go. 

 O documentário The Death of Kevin Carter: Casualty of the Bang Bang Club [A Morte de Kevin Carter: O Desastre do Clube Bangue Bangue] recebeu uma indicação ao Oscar em 2006. O filme Amor Sem Fronteiras (2003), estrelado por Angelina Jolie, recria em cena a imagem da foto captada por Kevin Carter.

A história do quarteto virou livro, escrito pelos sobreviventes Greg Marinovich e João Silva. “O Clube do Bangue-Bangue”, lançado no Brasil em 2003, pela Cia. Das Letras, é um relato dos dilemas éticos que o quarteto constantemente passava. 

Kevin Carter

Um dilema que o jornalista deve estar sempre disposto a enfrentar. Segundo Marinovich: “Tragédias e violência certamente geram imagens poderosas. É para isso que somos pagos. Mas cada uma dessas fotos tem um preço: parte da emoção, da vulnerabilidade, da empatia que nos torna humanos se perde cada vez que o obturador é disparado. Evidente que em grau maior, trata-se da mesma banalização que nos acomete ao olhar os jornais diariamente: há abismos demais.”













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