Após fugir da crise da era Collor, brasileira vive temor de 'confisco' no Chipre


Ruth Costas
Da BBC Brasil em Londres

Tranquilidade ameaçada: crise transformou a vida da
brasileira Mônica Rodrigues no Chipre

Quando acordou no último sábado em sua casa em Nicósia, a capital do Chipre, a brasileira Mônica Rodrigues, teve a sensação de que havia voltado no tempo cerca de 20 anos.

Milhares de pessoas corriam para os caixas eletrônicos, fazendo filas enormes para tentar retirar seu dinheiro do banco, trabalhadores e aposentados protestavam contra o achatamento de seus rendimentos e um governo recém-eleito tentava justificar medidas impopulares.


Ao longo da semana, a situação não melhorou: o dinheiro dos caixas eletrônicos acabou os bancos não abriram as portas e as transações bancárias foram bloqueadas.

"Lembrei-me de quando saí do Brasil, nos anos 90. Era estudante quando o Plano Collor foi adotado, confiscando a poupança dos brasileiros. O caos econômico que o Brasil vivia naquele período influenciou minha decisão de vir morar no Chipre, juntando-me à minha mãe, que havia se casado com um cipriota", disse Mônica à BBC Brasil.

"Aqui havia segurança e estabilidade, as pessoas podiam planejar sua vida com tranquilidade e tinham muitas oportunidades", lembra a brasileira, que, como a mãe, também terminou se casando com um cipriota e hoje trabalha como auxiliar administrativa.
Taxa rejeitada
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       sem dinheiro por conta de crise 
Os protestos, a corrida aos caixas eletrônicos e fechamento dos bancos no Chipre foram uma resposta à proposta para a adoção de uma taxa (que está sendo chamada também de imposto ou mesmo confisco) que seria cobrada compulsoriamente sobre todos os depósitos nos bancos do país.

A cobrança, anunciada no sábado, foi incluída em um acordo negociado com a União Europeia (UE) e o Fundo Monetário Internacional (FMI), para permitir a aprovação de um pacote de resgate de 10 bilhões de euros (R$ 29 bilhões) para a economia cipriota. Originalmente, seria de 6,75% para os correntistas com menos de 100 mil euros (aproximadamente R$ 290 mil) e de 9,9% para os que tivessem mais.

Na terça-feira, os termos da nova taxa foram rejeitados em uma votação no Parlamento cipriota. Agora, políticos do país estão tentando chegar a um Plano B para evitá-la, mas a possibilidade de que alguma cobrança direta sobre os correntistas ainda venha a ser adotada não foi totalmente descartada. E, além disso, até que esse Plano B seja costurado, os bancos do país devem permanecer fechados.

"Não tenho um tostão no bolso. Todo nosso dinheiro estava em uma conta poupança e não conseguimos transferir para uma conta corrente para poder usar o cartão de débito", diz a brasileira Ana Lima, também casada com um cipriota.

"O limite do cartão de crédito se esgotou na semana passada e meu marido tem 10 euros com o qual podemos comprar pão e leite, mas por enquanto não dá pra gastar em mais nada, nem pagar contas – e não adianta tentar pedir emprestado para os amigos porque ninguém tem."

"Todos estão muito frustrados e revoltados", diz Mônica. "Eu estava fazendo uma poupança para garantir o futuro de minhas duas filhas e agora não sei o que pode acontecer com esses recursos. Temo que eu e elas tenhamos de pagar por erros cometidos por políticos e bancos."

Crise

A crise econômica europeia foi o que transformou a realidade de Mônica e dos outros milhares de habitantes do Chipre, desatando a pior crise da ilha desde 1974, quando o país sofreu um golpe de Estado e foi invadido por tropas turcas.
Além dos problemas fiscais do governo, os bancos do país foram duramente afetados pela crise na vizinha Grécia, com a qual o Chipre mantém estreita relações.

No último sábado, as autoridades anunciaram que o Chipre seria o quinto país europeu a receber um pacote de resgate da União Europeia - depois de Espanha, Grécia, Irlanda e Portugal.

Porém, se adotada, a taxa compulsória sobre todos os recursos de correntistas do país seria uma medida inédita, que, pela primeira vez, repassaria diretamente para correntistas de bancos o custo para o saneamento do Estado e do sistema bancário de um país europeu em crise.

Mônica conta que, ao receber a notícia, correu para o computador na tentativa de pagar suas contas e cartões de crédito.

"Nos caixas eletrônicos, as filas já eram imensas e parece que, em dado momento, acabou o dinheiro. Eu ainda tinha contas para pagar neste mês e agora vai ficar um pouco mais difícil com os bancos fechados e esse possível confisco", afirma a brasileira.

Para piorar, como lembra Mônica, o atual caos econômico ocorre em um momento em que as famílias cipriotas já estão vulneráveis e fragilizadas do ponto de vista financeiro.

"Meu marido, que trabalha de controlador aéreo, e meu sogro, que é aposentado, já tiveram reduções de seus rendimentos recentemente, por exemplo, então, já estava apertado para pagar as contas antes", conta.

Segundo a embaixada, a comunidade de brasileiros no Chipre é pequena, composta por 80 a 100 pessoas. Além de brasileiros casados com cipriotas, também vivem no país muitos jogadores de futebol acompanhados de suas famílias.
Em 2011, a equipe cipriota Apoel, com seis brasileiros, fez história ao conquistar um lugar de destaque na Liga dos Campeões da Europa.

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